sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Correio da Manhã

Não há muitas coisas certas na vida, mas é seguro defender que se um cronista é de direita mais tarde ou mais cedo nos vai remeter para o Correio da Manhã, mesmo que surpreendentemente não escreva lá. Se queremos conhecer o país, dizem, devemos ler aquele jornal. Viver no país, passar a semana atulhado no país, ser quotidianamente atropelado pelo país não chega — é preciso ler o matutino.
A ideia daqueles cronistas é fazer-nos notar como o povo continua violento e selvagem, não estejamos nós por acaso distraídos. Mas não o fazem como uma forma de denúncia, de censura do primitivismo popular, de acusação por as instituições não estarem a melhorar a sociedade. Não insistem nisto para apelar à mudança do statu quo, como se poderia imaginar.
Não. Se os cronistas de direita acenam com o Correio da Manhã como sinaleiros de aeroporto é porque precisam de nos acusar regularmente de não vivermos neste país, de não conhecermos o país. Não importa que se cometam atrocidades em Portugal — o que é grave é nós ignorarmos alguma delas, que alguma nos escape. Não importa quantas violações, quanta violência conjugal, quantos roubos e assassinatos, quantos ossos partidos e membros decepados — desde que possam culpar-nos por não estarmos atentos. O grave não é o quotidiano ser horrendo — é nós pensarmos que ele pode ser diferente e tentarmos viver felizes apesar dele.
Estes cronistas não invocam o Correio da Manhã para nos lembrarem como o país é bárbaro e devia ser mudado. Fazem-no porque querem que partilhemos o seu fascínio pelo sangue. E, sejamos justos, esta vontade de partilhar até revela que há neles alguma coisa de bom.

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